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Foto do escritor Altino Barbosa Caldeira

O patrimônio cultural e as calçadas de pedra portuguesa

As primeiras referências à aplicação de pequenos pedaços de um mesmo material para dar forma a uma representação artística foram encontradas no interior das cavernas habitadas por nossos ancestrais. Os pequenos pedaços de ossos e de conchas formavam figuras que ilustravam os segredos e as experiências cotidianas dos grupos que ali viviam.

Ao longo do tempo, esse meio de expressão foi evoluindo, vindo a ser empregado com mais requinte em termos de cores e expressão plástica nas construções das primeiras civilizações da Mesopotâmia e no Antigo Egito. Na civilização grega ganharam dimensões maiores, cobrindo com elegância geométrica os pátios internos e o piso das ágoras. Sem tamanho ou forma definida foram utilizadas, principalmente, na representação das imagens das deusas femininas e, por esse motivo, foram denominados de moseicon – ou mosaico, que significa imagem das musas.

O mosaico foi largamente utilizado no Império Romano, em palácios e residências nobres. Em razão das grandes jazidas de mármore existentes na região do Mediterrâneo, o seu aproveitamento estendeu-se aos pisos de anfiteatros e vias externas. Na produção dos passeios, a sobra de pedras menores veio a ser empregado, e a arte de formar figuras com pedaços coloridos passou a ser cada vez mais explorada.

Com a derrocada de Roma e a transferência da capital do Império Romano para Ravena e Bizâncio, depois chamada Constantinopla, o mosaico tornou-se a expressão máxima da arte bizantina. Pequenos quadrados modulados e coloridos com pedaços de vidro, mármore e ouro incrustados deram forma e relevo às manifestações do poder real, transferiram-se, de forma crescente, para as paredes e as abóbadas dos primeiros monumentos cristãos.

A invasão dos árabes muçulmanos à Península Ibérica, a partir do século VIII, contribuiu para reforçar, em Portugal e na Espanha, a decoração de paredes e pisos em padrões geométricos e orgânicos, visto que a representação figurativa não é aceita pela religião islâmica.

No mundo dominado pelas grandes conquistas dos navegadores portugueses, os belíssimos trabalhos de calçamento em pedra foram se imprimindo no solo e no gosto dos lugares conquistados, adaptando-se ao modo de expressão particular de cada povo. Nas áreas dominadas pelos ibéricos, mais especificamente nas colônias de Portugal, essa experiência ganhou destaque no Brasil, em Macau, em Goa e nas colônias africanas, convertendo-se em um símbolo da presença portuguesa nesses locais.

De geração em geração, as técnicas utilizadas nas calçadas em pedra portuguesa foram se consolidando. Trata-se, de um modelo de pavimentação que apresenta uma boa solução estética e funcional, configurando-se como um processo já incorporado à prática urbana brasileira, contribuindo para o embelezamento das áreas externas e internas, seja no campo da arquitetura ou do urbanismo.

Em Belo Horizonte, a pavimentação em pedra portuguesa cobre, com diversas padronagens definidas pela Prefeitura, as ruas e praças centrais de Belo Horizonte, edificações da arquitetura modernista da Pampulha e áreas ajardinadas de muitos edifícios residenciais.

No Rio de Janeiro, o calçamento em pedra portuguesa foi introduzido no início do século XX, na administração do prefeito Pereira Passos, integrando o conjunto de medidas urbanísticas promovido pela Prefeitura do Distrito Federal para modernização da capital da República. O prefeito fez vir de Portugal um grupo de oficiais calceteiros e, também, as pedras em calcário branco e basalto negro. O desenho sequenciado das ondas de Copacabana, criado originalmente, pelo Engenheiro Pinheiro Furtado, em Portugal, no início do século XIX para o Largo do Rossio de Lisboa, foi utilizado na Avenida Atlântica, em 1906, com as curvas menores e perpendiculares ao mar. Com a duplicação das pistas e a implantação do canteiro central, executado na década de 1970, o desenho das ondas foi ampliado por Roberto Burle Marx até os limites do calçadão e adquiriram a conformação que tem atualmente, sendo o maior exemplo de obra de arte aplicada existente no mundo.



Praça Raul Soares, em Belo Horizonte (Fonte: arquivo do autor)


As calçadas em pedra portuguesa tornaram-se um símbolo do Rio de Janeiro e enfeitam ruas e praças da Zona Sul e do centro da cidade, como os mosaicos da Praça XV, o Largo da Carioca e a Cinelândia. Cobrem, ainda, as calçadas da orla do Leblon e de Ipanema, existindo também uma bela calçada musicalizada com o desenho de notas e acordes no bairro de Vila Isabel.

A técnica utilizada para a execução de um bom trabalho de assentamento da pedra portuguesa pede que, em primeiro lugar, seja feita uma compactação do piso para se evitar que o terreno ceda com o peso que receberá. Em seguida, para a obtenção de uma base firme e para evitar que surjam deformações futuras no pavimento, deve-se distribuir uma camada de areia com 10 ou 12 centímetros de altura como contrapiso, onde irão ser assentados os cubos. Isso garantirá que eles não se soltem com facilidade, quando a calçada estiver concluída. Entre as pedras devem ser deixadas juntas paralelas que deverão apresentar um espaçamento de cerca de meio centímetro, visando diminuir o risco de oscilações do piso e evitando o desconforto para os pedestres ou cadeirantes. O pó da própria pedra, sem cimento, deverá ser utilizado para preencher as juntas. Para concluir a pavimentação deve-se espalhar água para auxiliar na consolidação do conjunto enquanto se faz a compactação final. O resultado alcançado permite certa permeabilidade e tem a vantagem de ser econômica, além de confortável e de fácil manutenção. Ao mesmo tempo, as calçadas têm a praticidade de permitir que as faixas pavimentadas em torno de edifícios funcionem como passeios de proteção, evitando a penetração da umidade das águas pluviais nos alicerces ou no subsolo.

As pedras utilizadas no Brasil são geralmente os cubos pretos do basalto e os brancos do calcário. Encontramos, ainda, o cubo vermelho, alguns amarelos e também na cor cinza, sendo inúmeras as possibilidades de combinação de cores. Assim, o trabalho do empedrador ou calceteiro pode ser considerado uma técnica tão antiga quanto a história do ser humano, podendo-se conferir a ela um valor significativo como patrimônio cultural da humanidade.


Altino Barbosa Caldeira, PhD

Doutor em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de Sheffield, Inglaterra (1997)

Pós-doutor pela Universidade de Bolonha, Itália (2006)





REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


CÓRDULA FILHO, R. Caminhos de pedra: calçadas do Bairro do Recife. Ed. Thanalot, Recife, 2000.


GOUGON, A chegada da pedra portuguesa ao Brasil em http://mosaicosdobrasil.tripod.com/id4.html (acesso em 26/06/2010)


LERNER, D. e BITTENCOURT, M. (org.). Patrimônio Cultural: guia dos bens tombados pelo Estado do Rio de Janeiro, 1965-2005. INEPAC, Rio de Janeiro, 2005.


MARQUEL, D. Calçada à portuguesa em http://calcadaportuguesa.web.simplesnet.pt/ (acesso em 10/05/2010)


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